Os efeitos do 11 de setembro de 2001 no cinema de Hollywood

Pedro Antonio
7 min readApr 23, 2024

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O tributo anual que aparece na parte baixa de Manhattan, na cidade de Nova York, em 11 de setembro de 2017, visto de Jersey City, Nova Jersey. (Foto: Gary Hershorn/Getty Images)

Na manhã de 11 de setembro de 2001, dois aviões atingiram as torres do World Trade Center em Nova York resultando na morte de 2.669 pessoas, no que ficou marcado como o maior atentado terrorista moderno em solo norte-americano. A organização Al Qaeda, liderada na época por Osama Bin Laden, assumiu a autoria dos ataques. Os Estados Unidos viveram momentos de pânico e a sensação de que a maior potência mundial já não era mais segura e impenetrável como antes se acreditava, e assim eram moldados os primeiros anos do século XXI.

A resposta do governo de George W. Bush tentou apaziguar os ânimos com uma maior vigilância. Foi instaurado o chamado Ato Patriótico, decreto que permitia a interceptação das comunicações do povo estadunidense pelos órgãos estadunidenses. Eram revogadas liberdades individuais em favor de uma sensação de segurança, tudo para evitar novos possíveis ataques. Seguindo essa mesma lógica, foram autorizadas as invasões do Iraque e Afeganistão por tropas norte-americanas sob a alegação que estariam abrigando integrantes da célula terrorista e em especial seu líder Osama Bin Laden.

As ansiedades que resultaram desse evento foram sentidas em toda a produção cultural posterior. Especificamente no cinema, filmes que já estavam em diferentes estágios de produção, como foi o caso de Homem-Aranha e Homens de Preto II de 2002, precisaram ser alterados por conterem cenas que se passavam nas torres. E tudo que começou a ser pensado após os ataques também contavam com um teor diferente, montava-se um cenário no qual histórias de desastre com grandes monumentos sendo destruídos, uma febre na segunda metade dos anos 1990, já não eram bem vistos pelo público.

Entram na cena produções com um tom mais realista, nas quais refletem-se os anseios e medos da época. A diretora Kathryn Bigelow retratou muito do que se passou nos anos posteriores ao 11 de setembro em Guerra ao Terror (2008) e A Hora Mais Escura (2012), o último sendo uma dramatização da busca por Bin Laden. Mesmo a ficção científica não ficou de fora, especialmente no que diz respeito a narrativas de invasões alienígenas, ainda que o material-base date de bem antes do ocorrido.

Em 2005, menos de quatro anos após os fatídicos eventos do 11 de setembro, chegava aos cinemas Guerra dos Mundos, adaptação dirigida por Steven Spielberg do romance de mesmo nome de autoria de H.G. Wells e datado de 1897. No livro, marcianos iniciam uma invasão ao planeta Terra com máquinas de destruição conhecidas como tripods e Wells usa dessas imagens como metáfora do imperialismo que a Europa, especialmente a Inglaterra, exercia sobre o resto do mundo na época, trazendo essas reflexões para o primeiro plano durante a trama.

Tom Cruise testemunhando um ataque dos tripods (Foto: DreamWorks/Paramount)

Acabou tornando-se comum que a cada nova adaptação da história, os temas fossem sendo atualizados para o que era relevante na época. Em 1938, a história ganhou uma versão na rádio narrada por Orson Welles que assustou aos desavisados que acreditaram se tratar de algo real. A adaptação cinematográfica de 1953 foi um produto dos primeiros anos de Guerra Fria, um filme B de ficção científica em que os monstros eram uma representação do terror de um possível embate nuclear, como também foi o caso de Godzilla produzido no Japão um ano depois.

Não é de se estranhar que em 2005, Steven Spielberg usasse da premissa criada há mais de um século por Wells para pintar um retrato de um país com pessoas que já não se sentiam mais seguras em suas próprias casas. Os alienígenas, aqueles que vem de fora com intuito de destruição, se tornaram a metáfora perfeita para o que era mais temido na época: um novo atentado terrorista de escopo semelhante ao que tinha sido a tragédia das Torres Gêmeas.

A trama agora gira em torno de um operário interpretado por Tom Cruise, típico trabalhador de colarinho azul estadunidense, que tenta manter seu filho adolescente (Justin Chatwin) e sua caçula de dez anos (Dakota Fanning) em segurança em meio ao caos que os ataques alienígenas cuasaram. O protagonista chega, inclusive, a cometer atos condenáveis para cumprir esse objetivo, muito como o próprio governo estadunidense que ia além do aceitável “em nome da segurança”.

Os visuais já reconhecidos das descrições de Wells ainda estão lá, como o tripod agora criado por computação gráfica. Todavia, eles estão inseridos num cenário de destruição muito mais realista e sujo, com fuligem e destroços em volta. Spielberg chega a filmar Tom Cruise com poeira cinza por todo o corpo, numa alusão bem clara às imagens que circularam de civis que estavam em volta das torres no momento do ocorrido.

O sentimento de retaliação que tomava conta do povo estadunidense, responsável por um aumento nos números de alistamento militar e pela própria Guerra ao Terror liderada por Bush, também é retratada no longa de Spielberg através do filho mais velho do protagonista. Em um momento, ao ver jipes militares carregando soldados em direção às forças alienígenas, ele pede para se juntar a eles porque queria “revidar” contra quem havia lhes causado mal.

Essa vontade de retribuição está ainda mais presente numa adaptação literária que só seria lançada muitos anos depois, a ficção científica futurista Ender’s Game de Gavin Hood. O longa tem como material-base o livro homônimo de 1985 escrito por Orson Scott Card. Na trama, focada no jovem Ender, a humanidade vive em constante preparação para contra-atacar uma civilização alienígena que havia sido responsável pela perda de milhões de vidas humanas há 50 anos.

Asa Butterfield e Ben Kingsley na adaptação para o cinema de Ender's Game (Foto: Lionsgate/Divulgação)

Mais uma vez, ainda que no lançamento do livro, os intuitos do autor tenham sido outros, não é difícil de traçar um paralelo entre a situação da sociedade retratada no filme e da estadunidense que por anos gastou milhões em recursos e inteligência contra um inimigo num contexto post factum, o que inclui uma caça que durou 10 anos contra o líder dessa célula terrorista. A falha na segurança gerou um estado de vigilância constante e a constante sensação de que é questão de tempo até que aquilo se repita, como é o sentimento dos personagens de Ender’s Game.

Ender, o protagonista, se vê parte dessa situação ao ser um destaque entre os recrutas que a Esquadra Internacional treina para comandar as futuras esquadras responsáveis pelos ataques aos Formics, a espécie alienígena inimiga do filme. A situação de Ender não é diferente da de milhares de jovens americanos que foram inflamados com essa ânsia de servir ao seu país após o 11 de setembro e serviram o exército durante os anos seguintes, muitos perdendo suas vidas em conflitos mortais como a Guerra do Iraque.

Esse é um dos desdobramentos discutidos por Michael Moore em seu documentário Fahrenheit 11 de Setembro de 2004, onde o diretor tece duras críticas à administração do presidente George Bush que viria a ser reeleito no ano em que o longa chegou às telas. Um personagem com o mesmo histórico, o alistamento militar para “servir seu país” após os atentados, participa das temporadas 4 e 5 da série da Netflix House of Cards e usa dessa experiência em sua campanha à presidência pelo Partido Republicano.

Por ser comandado por um diretor estrangeiro, o sul-africano Gavin Hood, e produzido dentro da máquina hollywoodiana, o direcionamento de Ender’s Game talvez represente um olhar de fora sobre a sociedade americana. Uma possível crítica sobre como mesmo uma década depois, a população ainda possui uma cultura presa a seu passado traumático enquanto o resto do mundo segue em frente e coloca em pauta outras questões mais atuais.

É possível concluir através desses exemplos que o cinema, a literatura, a música e toda expressão artística em geral foi completamente transformada após os fatídicos eventos de 2001, e agora 20 anos depois é possível analisar todas as transformações que já ocorreram com uma certa distância e entender os ciclos que se abriram e fecharam durante esse tempo.

Não é viável, mesmo depois de duas décadas, que tenhamos nos cinemas um blockbuster descompromissado como foi Independence Day em 1996, no qual a Casa Branca e a cidade de Nova York são destruídas pelo espetáculo numa cena mostrada de diferentes ângulos e uma trilha de tensão. Muito menos uma comédia como Marte Ataca dirigida por Tim Burton e lançada no mesmo ano na qual o próprio Congresso Americano é destruído pelos invasores e é motivo de risada para os que acompanham o ocorrido pela televisão.

A segurança presente naquela época de que tais eventos, ainda que hiperbólicos, só fossem possíveis na ficção, desabou junto com as torres do World Trade Center e ela nunca foi retomada por completo. O 11 de setembro de 2001 é uma cicatriz na história norte-americana e mundial, assim como será a pandemia do novo coronavírus e outros eventos trágicos que marcam a História. E uma cicatriz pode se transformar, parecer diferente com o passar do tempo, mas ela não desaparece.

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Pedro Antonio

Apaixonado por filmes, viciado em livros, consumidor voraz de batata frita. Jornalista, professor e sonhador nas horas vagas