Coringa: Delírio a Dois | Crítica

Pedro Antonio
3 min readOct 6, 2024

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Joaquin Phoenix (Coringa) e Lady Gaga (Lee Quinzel) caracterizados como seus personagens em "Delírio a Dois" (Foto: Warner Bros. Pictures/DC/Divulgação)

“Que porra foi essa que eu acabei de assistir?” foi a primeira pergunta que me veio à mente ao fim de Coringa: Delírio a Dois. Não que o filme seja por completo incompetente, longe disso, mas porque é completamente inconstante em qualidade e tom. Fiz essa pergunta a mim mesmo porque o desfecho, mais do qualquer outro momento durante os 140 minutos, me deixou surpreso e chocado da maneira mais negativa possível e principalmente porque eu não faço ideia de qual foi a força motriz por trás da produção desta sequência.

Na verdade, eu sei sim, a motivação chama-se dinheiro e todo mundo gosta, nada novo sob o sol. Para além disso, porém, há pouco ou quase nada. Se a ideia era ir a fundo no conceito de musical, faltou inventividade, entusiasmo e faltou principalmente pensar num roteiro em que esses números realmente se encaixassem. Se o objetivo era focar num drama de tribunal, faltou qualquer recompensa pelo tempo gasto ouvindo testemunhas e considerações, com uma resolução anticlimática à la Braga Boys, mas nada sexy.

Um aspecto positivo do longa, porém, é sua capacidade de olhar para o seu antecessor não com reverência, mas de forma a tecer uma crítica e mesmo renegá-lo até certo ponto. Além dos discursos, ditos e repetidos, que o Coringa nunca existiu, quando Arthur foge de um fã vestido de Coringa, é possível enxergar em Joaquin Phoenix o próprio Todd Philips. O diretor querendo distância de todos que viram o personagem do primeiro filme como um exemplo a ser seguido, que o endeusam. É um grandíssimo “sai pra lá, maluco, todo dia isso” para essa galera.

Se a proposta se resumisse a isso, a continuar a história respondendo aos eventos anteriores, talvez houvesse mais mérito em sua execução, mas Philips resolveu transformar sua sequência em um musical, aparentemente sem ter ideia de como fazê-lo. Todas as apresentações oferecem pouca inspiração, são monótonas, com os personagens fazendo pouco uso do espaço e a câmera menos ainda. O álbum que Lady Gaga lançou com músicas do filme acaba por ser mais atrativo, mesmo sem acompanhamento visual. Afinal, se a encenação pouco ou nada diz, mais vale não ter encenação alguma.

"The Joker" na voz de Lady Gaga

Pelo menos cantar nunca foi um problema para Gaga, o que ela faz aqui bem quando precisa e não tão bem assim quando a personagem pede por isso. Sua “Arlequina” tem contornos interessantes, ainda que a caracterização seja mais original do que inspirada em sua origem clássica, mas novamente, só chega à página dois. A artista tem um olhar magnético, que transmite angústia, loucura e fascina em cenas em close-up, mas quando a trama ameaça dar a ela mais desenvolvimento e explorar todo seu fascínio pelo Coringa pelas lentes da farsa, contenta-se com pouco e fica por isso mesmo. E assim, a personagem sai como chegou, do nada.

Do nada para o nada, parece ser essa a sina de Arthur Fleck, de Todd Philips e desta sequência de Coringa. “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” O sonho de construir uma montanha, de ser amado, o sonho de dirigir um musical (ou seria um filme de tribunal?). Todos sonhos, que ficam no mundo da fantasia e se destroem no momento em que tocam a realidade e a fantasia é abandonada.

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Pedro Antonio

Apaixonado por filmes, viciado em livros, consumidor voraz de batata frita. Jornalista, professor e sonhador nas horas vagas